De acordo com a Constituição da República, Moçambique é um país
democrático baseado num sistema político multipartidário. Segundo
Schumpeter (1942), um
sistema político é democrático na medida em que nele seus principais tomadores
de decisões colectivas sejam seleccionados através eleições periódicas,
honestas e imparciais em que os candidatos concorram livremente com os votos e
em que virtualmente toda população adulta tenha direito de voto. E para Huntington (1994) citando Dahl, democracia assim definida
envolve Contestação e Participação, pelo que os direitos
devem estar efectivamente à disposição dos cidadãos, sendo que, se isso não
acontecer logo o sistema político não será democrático.
Ao intitular este artigo de “Guebuzismo”, de certeza que
qualquer “moçambicano” ao ler engole a seco, tal como dizem os romancistas. As razões
para isso, não faltam. Uma delas sem dúvida, o medo que abala profundamente os
moçambicanos. Vivemos na realidade, numa Paz aparente, mesmo após 20 anos do
término da Guerra.
Entretanto, a comunidade moçambicana não age de tal forma
por mera vontade própria, mas sim por que o sistema assim manda. O ambiente é
de plena violência política, onde nem se pode apontar o dedo aos dirigentes
políticos (servidores do povo), mesmos quando estes são culpados. O medo que
molda o comportamento dos moçambicanos é ainda acrescido, pela endémica alergia
à críticas que caracteriza os políticos deste país.
O receio de se expressar, não está apenas com o cidadão
comum, mas também com os meios de comunicação, alguns dos quais quase que
“partidarizados”, pelo que notícia polémica nos midias nacionais, apenas diz respeito
ao crime ou à oposição, mas nunca sobre figuras do Estado.
De acordo com o Notícias, o governador de Inhambane,
Agostinho Trinta não fez parte da comissão que se deslocou recentemente para
China, com o intuito de renegociar o projecto da ponte que irá ligar as cidades
Maxixe – Inhambane, por que tinha que a acompanhar a primeira-dama na visita
que esta fizera à província. Sendo este projecto da ponte, um investimento de
grande envergadura, a presença do governador na negociação, suponho eu, que seja
de extrema importância, pelo que podia se delegar uma outra figura a nível da
província para acompanhar a visita da esposa do presidente Guebuza. Facto curioso
nisto, é que para além desta cena não ter virado notícia tal como sucedeu
quando o presidente da RENAMO Afonso Dlhakama, “abandonou” a sua família em
Maputo para se instalar em Nampula, o próprio Notícias não questionou, apenas
informou.
Agora me digam: entre acompanhar visita da primeira-dama que
visava pedir maior responsabilidade aos pais perante ao HIV/SIDA e encabeçar uma
comissão com vista a atrair um investimento de tão grande dimensão que é a construção
de uma Ponte poderá ligar duas cidades separadas por mar, numa distância de cerca
de três milhas, o que era/é prioritário?
Ao sublinhar aspectos como Participação e Contestação
no conceito da democracia, tenciono mostrar o quão esvaziada e pobre anda a
nossa democracia. Se considero o regime vigente em Moçambique como democrático,
é pela “moçambicanização” de coisas que nos caracteriza. Repare que durante um
jogo de futebol do campeonato nacional “moçambola”, envolvendo o clube Costa de
Sol da capital e o Incomati de Xinavane, um dos jogadores desta última
colectividade não trazia caneleiras, e na sequência disso, o técnico do Costa
do sol teria solicitado ao árbitro do jogo para que sancionasse o jogador em
causa, como mandam as regras da FIFA, ao que o árbitro da partida respondeu:
“senhor treinador, isto é Moçambique”.
Mais do que ridículo, isto é bastante lastimável. Contudo,
perde o seu teor ridículo, dado que nem se quer piada é, aliás, de acordo com
Thomas Hobbes, só há noção de justo e injusto onde existe legalidade.
Por conta desta “moçambicanização” sou forçado a aceitar
que existem partidos políticos em Moçambique. Mas será que estas dezenas
colectividades políticas são realmente partidos políticos?
Um partido político pode ser
entendido como uma organização de
parte ou parcela do povo, seguindo os mesmos ideais políticos, com objectivo de
desenvolver uma acção comum voltada ao exercício dos negócios do Governo. E
segundo Huntington, os partidos desempenham funções essenciais em
matéria de ordenação do sistema político. Eles fornecem a ordem e a
estabilidade na sociedade, e servem para estruturar o processo político e
garantir a participação dos cidadãos nesse processo é ordenado.
Em Moçambique, a maioria esmagadora dos partidos, para
além de desestruturados, servem apenas para animar o panorama político nacional
com contra ditos e acções “lambebotistas”, e os menos desorganizados por sinal
com maior aceitação no seio dos moçambicanos, dedicam-se entre outras actividades
pouco comuns, a de despachantes aduaneiros, importando viaturas de luxo para
posteriormente revenda, já que estão isentos de pagamentos.
Naturalmente, os exemplos e os aspectos acima descritos
dizem respeito ao sistema político como um todo, e não necessariamente ao título
deste artigo.
“Guebuzismo” é sim uma série de questões, inquietações, observações
e opiniões que pretendo levantar neste espaço nos próximos dias, sobre a actual
forma de governação. E neste conjunto questões, algumas serão mais directas
sobretudo, aos discursos de Armando Guebuza e outras, sobre o funcionamento das
instituições moçambicanas.
Não pretendo com isto culpar ninguém pelo estado pouco
saudável do nosso sistema político, mas apenas, exercer o meu direito
democrático de questionar e contestar quando for necessário, pois, mesmo dentro
de toda mediocridade ainda resta um espaço para o exercício da cidadania, até
porque a minha formação me legitima para tal. Até breve!