Empreendedorismo & Activismo Social

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Guebuzismo! (I)


De acordo com a Constituição da República, Moçambique é um país democrático baseado num sistema político multipartidário. Segundo Schumpeter (1942), um sistema político é democrático na medida em que nele seus principais tomadores de decisões colectivas sejam seleccionados através eleições periódicas, honestas e imparciais em que os candidatos concorram livremente com os votos e em que virtualmente toda população adulta tenha direito de voto. E para Huntington (1994) citando Dahl, democracia assim definida envolve Contestação e Participação, pelo que os direitos devem estar efectivamente à disposição dos cidadãos, sendo que, se isso não acontecer logo o sistema político não será democrático.
Ao intitular este artigo de “Guebuzismo”, de certeza que qualquer “moçambicano” ao ler engole a seco, tal como dizem os romancistas. As razões para isso, não faltam. Uma delas sem dúvida, o medo que abala profundamente os moçambicanos. Vivemos na realidade, numa Paz aparente, mesmo após 20 anos do término da Guerra.
Entretanto, a comunidade moçambicana não age de tal forma por mera vontade própria, mas sim por que o sistema assim manda. O ambiente é de plena violência política, onde nem se pode apontar o dedo aos dirigentes políticos (servidores do povo), mesmos quando estes são culpados. O medo que molda o comportamento dos moçambicanos é ainda acrescido, pela endémica alergia à críticas que caracteriza os políticos deste país.
O receio de se expressar, não está apenas com o cidadão comum, mas também com os meios de comunicação, alguns dos quais quase que “partidarizados”, pelo que notícia polémica nos midias nacionais, apenas diz respeito ao crime ou à oposição, mas nunca sobre figuras do Estado.
De acordo com o Notícias, o governador de Inhambane, Agostinho Trinta não fez parte da comissão que se deslocou recentemente para China, com o intuito de renegociar o projecto da ponte que irá ligar as cidades Maxixe – Inhambane, por que tinha que a acompanhar a primeira-dama na visita que esta fizera à província. Sendo este projecto da ponte, um investimento de grande envergadura, a presença do governador na negociação, suponho eu, que seja de extrema importância, pelo que podia se delegar uma outra figura a nível da província para acompanhar a visita da esposa do presidente Guebuza. Facto curioso nisto, é que para além desta cena não ter virado notícia tal como sucedeu quando o presidente da RENAMO Afonso Dlhakama, “abandonou” a sua família em Maputo para se instalar em Nampula, o próprio Notícias não questionou, apenas informou.
Agora me digam: entre acompanhar visita da primeira-dama que visava pedir maior responsabilidade aos pais perante ao HIV/SIDA e encabeçar uma comissão com vista a atrair um investimento de tão grande dimensão que é a construção de uma Ponte poderá ligar  duas cidades separadas por mar, numa distância de cerca de três milhas, o que era/é prioritário?  
Ao sublinhar aspectos como Participação e Contestação no conceito da democracia, tenciono mostrar o quão esvaziada e pobre anda a nossa democracia. Se considero o regime vigente em Moçambique como democrático, é pela “moçambicanização” de coisas que nos caracteriza. Repare que durante um jogo de futebol do campeonato nacional “moçambola”, envolvendo o clube Costa de Sol da capital e o Incomati de Xinavane, um dos jogadores desta última colectividade não trazia caneleiras, e na sequência disso, o técnico do Costa do sol teria solicitado ao árbitro do jogo para que sancionasse o jogador em causa, como mandam as regras da FIFA, ao que o árbitro da partida respondeu: “senhor treinador, isto é Moçambique”.
Mais do que ridículo, isto é bastante lastimável. Contudo, perde o seu teor ridículo, dado que nem se quer piada é, aliás, de acordo com Thomas Hobbes, só há noção de justo e injusto onde existe legalidade.
Por conta desta “moçambicanização” sou forçado a aceitar que existem partidos políticos em Moçambique. Mas será que estas dezenas colectividades políticas são realmente partidos políticos?
Um partido político pode ser entendido como uma organização de parte ou parcela do povo, seguindo os mesmos ideais políticos, com objectivo de desenvolver uma acção comum voltada ao exercício dos negócios do Governo. E segundo Huntington, os partidos desempenham funções essenciais em matéria de ordenação do sistema político. Eles fornecem a ordem e a estabilidade na sociedade, e servem para estruturar o processo político e garantir a participação dos cidadãos nesse processo é ordenado.
Em Moçambique, a maioria esmagadora dos partidos, para além de desestruturados, servem apenas para animar o panorama político nacional com contra ditos e acções “lambebotistas”, e os menos desorganizados por sinal com maior aceitação no seio dos moçambicanos, dedicam-se entre outras actividades pouco comuns, a de despachantes aduaneiros, importando viaturas de luxo para posteriormente revenda, já que estão isentos de pagamentos.
Naturalmente, os exemplos e os aspectos acima descritos dizem respeito ao sistema político como um todo, e não necessariamente ao título deste artigo.
“Guebuzismo” é sim uma série de questões, inquietações, observações e opiniões que pretendo levantar neste espaço nos próximos dias, sobre a actual forma de governação. E neste conjunto questões, algumas serão mais directas sobretudo, aos discursos de Armando Guebuza e outras, sobre o funcionamento das instituições moçambicanas.
Não pretendo com isto culpar ninguém pelo estado pouco saudável do nosso sistema político, mas apenas, exercer o meu direito democrático de questionar e contestar quando for necessário, pois, mesmo dentro de toda mediocridade ainda resta um espaço para o exercício da cidadania, até porque a minha formação me legitima para tal. Até breve!