Empreendedorismo & Activismo Social

terça-feira, 15 de outubro de 2013

“Retalhos de uma vida” de Eunice Matavele

“Retalhos de uma vida” é a primeira obra literária da apresentadora e jornalista moçambicana Eunice Matavele, que fora nos últimos dois dias meu companheiro de cabeceira. Lançado no último mês de Setembro, o livro conta historias vividas pela autora como activista do HIV/SIDA e sobretudo como apresentadora e editora de um programa na Televisão de Moçambique, denominado “Defesa da vida” cujo objectivo era trazer contos, testemunhos, anseios e o dia-a-dia das pessoas infectadas e afectadas pela pandemia do HIV.    
Graficamente, Eunice traz nesta obra vivências e momentos diversificados por diferentes pontos desta pérola do Índico, com pessoas seropositivas e instituições vocacionadas a esta temática. Para além do conteúdo rico em volta deste “bebé” literário, algo mais me motiva a tecer estes comentários.  
Sempre achei a sociedade em que estou inserido imbuída de senso comum e bastante sensacionalista, razão pela qual boatos e fofocas encontram-na bom aconchego. Porém, confesso que não tinha a tamanha dimensão dos preconceitos que envolvem o nosso dia-a-dia nesta “pátria amada”.
Nas histórias contadas por Eunice Matavele, saber que ela fora socialmente considerada seropositiva pelo simples facto de apresentar um programa televisivo sobre SIDA, deixou-me completamente arrepiado e bastante incrédulo. Com esta obra, por um lado aprendi muito sobre o HIV, mas também por outro decepcionei-me com a minha sociedade, ao saber que os efeitos sociais são maiores que os da própria doença, deixando impressão de que ou as diversas organizações versadas a ela não estão a tomar conta do recado como deveriam, ou os moçambicanos continuam renitentes a mudança comportamental.  
É incrível que em pleno 2013, exista ainda confusão entre seropositivo e doente de SIDA, e que pessoas sejam julgadas serologicamente por simples aparências! Acho eu que os moçambicanos não entenderam ainda o quão é realístico o HIV no nosso país, alias a forma como este assunto é tratado nos diferentes fóruns sociais revela este facto.
Lembro de uma vez num transporte semi-colectivo, um dos passageiros que conversava com sua acompanhante em voz alta como é hábito, ter dito algo mais menos assim “… aquele tem SIDA…eh, você, SIDA mata…”. Ao ouvir aquilo, a primeira questão que me veio a cabeça foi: qual seria sentimento de um infectado que provavelmente estivesse por ai?
Por meio deste e outros episódios que tenho presenciado, percebo e concluo que algo devia ser mudado na nossa sociedade na forma como encaramos esta doença. Este comportamento menos digno por parte de algumas pessoas, justifica as desistências aos tratamentos ante-retrovirais, a auto-descriminação e consequente exclusão social quando as pessoas já estão infectadas, assim como também o pouco interesse e medo pelos testes voluntários.
Que comportamento se espera de um individuo que descobre que está infectado, mas que vivia descriminando e falando mal dos seropositivos?
Portanto, “Retalhos de uma vida” aparece num momento oportuno, é para mim uma obra educativa, e sendo a autora mestre em saúde pública, imaginem o quão rico este livro é! Pelo que é uma recomendação obrigatória a todos moçambicanos, e que façam dos seus ensinamentos o dia-a-dia de cada um rumo ao Moçambique livre da estigmatização.

Bem-haja Eunice Matavele.