“Aprendemos que temos que falar mais alto que outros se pretendemos que nos
oiçam, dado que toda gente tem voz, pelo que nalgum momento somos obrigados a
gritar para que nos possamos fazer ouvir” (Ryan Guezman - Step Up Revolution).
Para além do revelado no texto “Eu tenho um Sonho”, descobri que tenho mais
um sonho. Mesmo tendo nascido numa cidade pequena onde quase toda gente se
conhece e em que a informação flui rapidamente sem precisar de nenhum meio
electrónico ou midia, cresci sabendo que não bastava ser conhecido, devia lutar
por ser reconhecido. Obviamente que para se fazer conhecer no contexto
moçambicano não custa tanto quanto deve parecer, 50 gramas de canabis no bolso são suficientes para
tirar alguém do anonimato, com auxílio destes órgãos de informação cujo forte
da matéria é qualquer coisa que seja bizarra. Basta prestar atenção nos
destaques das notícias, particularmente televisivas para provar.
“…idosa é espancada na cidade de Maputo, pelos seus próprios netos, acusada
de feitiçaria. Boa noite, está começar o jornal…”.
Nos últimos dias, a expressão “País do Pandza”, título de uma das músicas
de sucesso do rapper moçambicano Slim Nigga (espero ter escrito
correctamente), tem sido regularmente usada como desculpa de tudo quanto errado
por cá se faz.
Entretanto, eu aprendi que corrigir um erro por um outro é mediocridade. E
portanto dizer “…é o país do pandza pah…”, para justificar as maldades e obscenidades
que acontecem em Moçambique, é um erro e ainda maior, pois alimenta a
indiferença. E não querendo cair nele, decidi lutar eternamente pelo idealismo.
Já fui ironicamente chamado de idealista, mas seja qual for a intenção, considero
isso um grande passo aos meus propósitos. Se digo ironia, é porque de facto
falar do que é ideal no contexto moçambicano, é como “escrever na água” como
por cá se diz, em forma de mostrar uma certa impossibilidade. Provavelmente,
pelo facto de se viver uma realidade bastante cruel, a sociedade está de mentalidades
bloqueadas pela impossibilidade na positiva, não obstante aceitar a
possibilidade de tudo der errado. E é assim mesmo a minha sociedade, cheia de
mitos e contraditos. Por aqui, na vida real nada é possível, a não ser por meio
de milagres nos locais de culto, razão pela qual temos milhares de compatriotas
obcecados pelo “divino poder da cura”, mas desacreditados consigo mesmos. Ou
por outra, têm fé na mudança através do Deus invocado em algumas “ceitas
religiosas”, mas não aceitam a mudança por meio da sua própria capacidade, ignorando
por sua vez o poder absoluto da mente humana.
Ficaria feliz se eu pudesse contar com mais alguém, porem, sou eu + eu contra mundo. E penso que
aqui se encontra a lógica e a incredibilidade da vida humana. Nascemos únicos e
indivisíveis, sendo que ninguém mais além de nós mesmos, nos é semelhante. E se
nascemos para o mundo como seres de vida una, logo somos potenciais detentores
do que o mesmo mundo dispõe, isto é, temos direito a tudo quanto é possível
como humanos. A existência da sociedade política, em nenhum momento deve
colocar em causa este direito natural que cada um tem, aliás, esta instituição
surge com vista a manter o equilíbrio das forças e garantir uma redistribuição
equitativa tanto dos dividendos da Natureza, como daqueles produzidos pela
própria sociedade, caso contrário nos encontraríamos na condição natural do
Homem referenciada no pensamento político do inglês Thomas Hobbes.
O que pretendo dizer é que, pelo facto de aceitarmos viver politicamente,
cada um de nós tem um direito natural de viver uma vida segura, justa, acima de
tudo com acesso a todos bens necessários para a sua satisfação. A natureza que
nos fez, não seria ela mesma tão “maluca” de criar desnível entre oferta e
demanda. E portanto, os recursos chegam para todos e devem legitimamente ser
redistribuídos para que de igual forma possam ser usufruídos. Que direito
natural uma única pessoa tem de gozar de mais de um emprego, de mais de uma
casa, de mais de uma viatura, etc, enquanto muitos se afundam no nada?
Contudo, não implica que alguém esteja vivendo vida do outro, pelo contrário
cada um constrói sua pessoa, bastando apenas dispor de recursos e do direito de
os gozar.
Infelizmente a sociedade moçambicana, está sendo conduzida por homens no
seu estado natural de bravos e de egoístas, que pelo poder vão se matando e se empurrando
de um lado para o outro, em busca da prosperidade. E a realidade prova-nos a
sua relação de vida animal e infeliz, vivendo presos e gradeados nas suas
próprias casas.
Desejam, mas não podem conviver com a maioria para qual quer que seja a
coisa ou facto. Tem quase tudo em abundância, mas ao mesmo tempo não tem nada,
pois vivem por competição. Desejam que os seus filhos e tudo quanto lhes
pertence seja melhor e superior que o do outro na mesma condição. Vivem no medo
e solitários, resultado da injustiça que vão causando aos outros e pelo ódio
que sente por qualquer um que tenha mesmas condições. Eh! Esta é a triste
realidade que nos caracteriza.
Apesar de alguma forma me sentir injustiçado pelo comando da sociedade a
que pertenço, nunca perdi esperança e por isso, tenho mais um sonho!
“Suba o
primeiro degrau com fe.
Você não
precisa ver toda a escada, só o primeiro degrau”.
(Martin Luther
King jr.)