“Um
governo incapaz”
Já se vão alguns
dias que não me tenho feito presente neste espaço com a regularidade de
sempre. A razão para tal é que tenho sido crescentemente conquistado por um
certo grau de insatisfação pela vida neste país, causada sobretudo pelo estado
pouco saudável do sistema político.
O dia-a-dia por
aqui tem se caracterizado por erros governamentais dando evidências claras de
um Estado rumo a falência e uma vida cada vez mais dura para a maioria da população.
E por causa disso, nos últimos dias a pessoa do presidente da República,
Armando Guebuza, tem sido debate no panorama social, político e particularmente
académico, associando-se a esta figura um carácter egocêntrico e de pouco de
dialogo pelo menos se comparado com o seu antecessor, Joaquim Chissano.
Entretanto, os académicos
Elísio Macamo (sociólogo) e José Macuane (Cientista Político), teriam em
sequência desse debate, feito recentemente intervenções de alguma forma contrárias
a maioria, defendendo nas suas declarações, que o presidente Guebuza, não era exactamente
o que a maioria pensava e que este teria feito ou faz muito pelo país, sobretudo
pelo partido FRELIMO, tendo segundo eles, reorganizado esta formação política.
No entender destes académicos, com Guebuza, a FRELIMO ganhou maior dinâmica o
que lhe permitiu conquistar e dominar o campo político moçambicano.
Eu pessoalmente,
concordo que a FRELIMO-Guebuza tenha feito um trabalho, especificamente a nível
eleitoral digno de realce, contudo, a relação competência política VS qualidade
de vida à população, manda me dizer que este governo é fraco, incompetente e descomprometido
com o seu povo.
Mesmo a tal reorganização
interna do partido FRELIMO, traz-me certas indagações.
Será que a
actual FRELIMO é efectivamente mais forte que a FRELIMO da "era"
Chissano? E a mesma que questão pode ser válida quanto aos governos por eles constituídos.
A FRELIMO da "era"
Chissano, dirige o país num momento de reconstrução (após a guerra civil), caracterizado
politicamente por um panorama partidário relativamente mais competitivo e
interactivo, apesar de bipolar, com uma oposição (RENAMO), forte e com chances
reais de conquistar o poder central, mas mesmo assim, a FRELIMO vence as eleições
de 1994 e 1999 num escrutínio com cerca de 90% e 70% de participação eleitoral
respectivamente.
A FRELIMO de
hoje, conquista também as eleições de forma “esmagadora” como eles dizem, porém
num cenário caracterizado por uma autêntica e crescente abstenção eleitoral e
de um total enfraquecimento da oposição desde os pequenos partidos, (com e sem
expressão), até ao maior, a RENAMO.
E esta mesma
FRELIMO, tem por um lado, revelado uma imagem de união e solidez fantasma, com
algumas figuras popular e intelectualmente ilegíveis se afastando (ou sendo
afastadas) dos processos decisórios do partido e por outro, a mesma formação
política, tem nos brindado por formar governos constituídos por indivíduos sem
expressão política e de alguma incompetentes, razão pela qual assistimos a um
cenário de demissões sucessivas já mais vistas.
O actual governo
da FRELIMO tende a perder o brilho de partido académico que revelou em tempos, transformando-se
numa formação política violenta tanto a nível discursivo, como também na sua actuação
prática, através da instrumentalização da polícia.
Não pretendo necessariamente
aqui fazer comparações entre prestação deste ou daquele, até porque o próprio Guebuza
fazia parte da FRELIMO na "era" Chissano, mas apenas dar minha posição
em relação as declarações pró-guebuza acima referenciadas. E portanto, para
mim, a actual FRELIMO tanto como partido, assim como governo, tem deixando
graves lacunas na sua forma de actuação, mostrando-se incapaz e longe de garantir
uma governação eficiente.
Alguns analistas
e comentaristas têm repartido a culpa de parte dos problemas que nos
apoquentam, aos subordinados de Guebuza. Possivelmente com alguma razão, mas, olhando
a forma como as coisas estão sendo conduzidas, em que a figura do chefe do
Estado é e sempre foi tudo, não vejo motivos para não lhe culpar. Em minha opinião
a repartição do castigo teria sentido perante um semi-presidencialismo (ver o
texto: Porque não o semi-presidencialismo em Moçambique?).
De forma alguma,
quero desvalorizar o trabalho feito pelo governo de Guebuza, até porque existem
evidências e factos revelando alguma coisa sendo feita, aliás o país tem
registado um crescimento económico considerável, porém muito aquém da satisfação
da população moçambicana. E prova da grande distância entre o desempenho governamental
e a satisfação popular, é o relatório divulgado recentemente pelas Nações
Unidas sobre o desenvolvimento humano, que coloca Moçambique como um dos piores
países do mundo.
E como era de se
esperar, o governo moçambicano, na pessoa do Ministro da Planificação e Desenvolvimento
Ayuba Coreneia, veio a público negar alegando que os dados apresentados no relatório
eram antigos e nada dizem respeito ao cenário actual. No entanto, cá entre nós
o que importa sãos os sinais de riqueza ou de pobreza, e de facto verificamos uma
grande melhoria na vida em Moçambique, mas para apenas um grupo de pessoas, enquanto
a grande maioria da população se afunda cada vez mais na miséria.
O cenário de transporte
de Maputo, prova-nos este facto, onde assistimos pessoas sendo transportadas em
camionetas como se de cães ou objectos se tratassem, com todos os riscos que
dai advêm, em plena cidade capital de um país. E o ponto central que me faz
atirar a razão ao relatório do PNUD, é que em tempos passados as viaturas de
caixa aberta serviram como meios de transporte, porém em situações muito
melhores que as actuais, pois na altura, os passageiros dispunham de assentos e
cobertura para se proteger de sol e da chuva. E facto curioso, é que no meio deste
grande sofrimento, a empresa Transportes Públicos de Maputo (TPM), introduziu
recentemente uma carreira executiva de 70 meticais por viagem, contra os 7
meticais cobrados normalmente, como forma de cobrir as despesas da empresa. (?).
Um outro aspecto
digno de destaque que me faz ainda crer na veracidade do relatório, é o crime "corrupção",
com índices completamente fora de controlo. Pés embora, a questão da corrupção,
seja um grande legado da FRELIMO e não apenas do governo de Guebuza, é mister
fazer realce aqui neste texto, dado que após a ascensão ao poder do actual
presidente, vimos um conjunto de perseguições criminais sob acusação de corrupção
tendo culminado com detenções de alguns altos dirigentes do Estado, todavia, a
verdadeira corrupção está muito aquém de ser eliminada, sendo que nos últimos
dias informações dão fortes indícios de nepotismo ao nível de atribuição de
cargos tanto em empresas públicas como de gestão privada.
De certeza que
Guebuza ao terminar seu mandato (quiçá), poderá falar de alguns projectos de habitação,
particularmente para jovens. E sem dúvida alguma, temos infra-estruturação
nesse sentido. Porem, não sei para que jovens as habitações são destinadas,
porque para moçambicanos é que não, dado aos altos valores cobrados para a sua aquisição,
pois o verdadeiro jovem moçambicano, na sua maioria encontra-se mergulhado no
desemprego, fruto em parte da banalização do ensino superior em Moçambique e
também da introdução de cursos e currículos desenquadrados, contribuindo para a
existência de muitos formados (objectivo do governo), mas todos eles sem
qualidade.
«Onde tínhamos apenas
uma escola primária para uma comunidade de cerca de 1000 crianças, conseguíamos
no final atingir 80%, 90% de aprovações de alunos tendo domínio no mínimo da
escrita e da leitura, hoje temos na mesma comunidade, naturalmente um pouco de mais 1000 crianças (devido aos nascimentos crescentes), ao invés de uma, talvez três
ou quatro escolas primárias, com uma aprovação de quase 100%, mas de alunos que
não sabem ler, nem escrever, ou seja, analfabetos alfabetizados».
É exactamente
aqui onde reside a razão e a lógica dos relatórios do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, (PNUD).
Um outro ponto
que não podia deixar de destacar aqui, é questão estabilidade política e democracia
multipartidária.
Recordo de uma
entrevista em algum órgão de informação, a um alto dirigente da FRELIMO, por
sinal mulher, que teria afirmando que a intenção do seu partido era de
conquistar os 250 assentos na Assembleia da Republica. Bem, democraticamente
feito, de certeza que seria legítimo, mas, inquietam-me os mecanismos actualmente
usados para o alcance desta intenção.
A verdade é que
de facto a FRELIMO, quer acabar com a oposição, a todos níveis, (político,
social e militar para o caso da RENAMO).
E a questão é:
que tipo de democracia multipartidária os tipos pretendem introduzir?
Entretanto,
engana-se que pensa em acabar com oposição em Moçambique, sob o risco de tornar
seu próprio povo “oposição”, alias, oposição não é apenas Afonso Dlhakama, Davis
Simango, Raul Domingos e seus respectivos partidos políticos. Oposição é muito
mais que isso! E é mais oposição quando encontra insatisfação nos seus anseios.
Nos últimos dias,
vários segmentos da sociedade moçambicana tem apelado a continuidade e o
reforço da paz alcançada com os acordos de 1992, sobretudo após os discursos
belicistas da RENAMO e também depois dos últimos ataques registados em Muxungue,
na província de Sofala.
Acredite ou não,
a verdade é que Moçambique dispõe actualmente de condições para eclosão de qualquer
tipo de conflito, ou seja, estamos perante uma bomba potencialmente explosiva.
Para além da
questão RENAMO politicamente frágil, mas ainda militarizada e agora de volta as
matas, existem diversos focos de descontentamento ao nível da sociedade
moçambicana, os desmobilizados de guerra, os trabalhadores da antiga RDA, juventude
desempregada, só para citar alguns.
O governo da
FRELIMO em nenhum momento resolveu de forma eficiente e definitiva os problemas
do seu povo, apenas optou pelo recurso do improviso (como por cá se diz, sempre
tapou o sol com a peneira).
Não iria me
esquecer da componente Recursos Naturais, que são na sua essência uma das
grandes e principais causas de conflitos, particularmente em países africanos,
onde todos desejam ter comissões ou dividendos da sua exploração, alias esta é
uma das questões levantadas pela RENAMO.
Entretanto, na prática
uma redistribuição equitativa de recursos naturais, só é possível através da
entrada das ditas comissões aos cofres do Estado e posterior canalização a
população por meio do melhoramento na prestação de serviços ao cidadão, educação,
saúde, transporte, infra-estruturas, etc. No entanto, este processo requer dirigentes,
responsáveis, idóneos e acima de tudo comprometidos com a causa pública, requisitos
que infelizmente não fazem parte do perfil dos dirigentes moçambicanos.
…que tipo de redistribuição
de recursos se espera, se governo moçambicano tem dificuldades até de reassentar
com sucesso pequenas comunidades como a de Cateme (Tete), só para dar um
pequeno exemplo.
Será que esses
indivíduos têm efectivamente capacidade para transformar investimentos em bens
e serviços para o povo moçambicano do Rovuma ao Maputo e do Índico ao Zumbo,
revelando dificuldades em garantir controlo de recursos florestais, que estão
sendo devastados com relatos de envolvimento de altas figuras do governo? Ou
nem se quer merecem serem chamados de dirigentes políticos?
Sei que, o que o
cidadão em Moçambique pensa e diz não interessa, porém não custa nada lembrar
que na condição de cidadão, tenho direito ao menos de expressar tudo o que
sinto, sob o risco de perder esse direito sem nunca o ter gozado, dada a
tendência actual do sistema político. E gostaria também de sublinhar que não
tenho nada contra a pessoa do presidente Guebuza, até porque como disse no
texto “Guebuzismo II”, eu o admiro bastante como empresário, mas não como
gestor público, e por isso, apesar de constitucionalmente ser impossível,
pessoalmente penso que o senhor Guebuza não reúne condições para ser reeleito.
E para terminar,
gostava de garantir para as próximas eleições autárquicas, legislativas e
presidenciais, o meu voto ao partido e candidato abstenção. E se não for pego
por uma bala perdida da FIR, até a vista…